Nosso comportamento nem sempre reflete a verdade; te conto por quê
Há uma linha tênue entre quem realmente somos e quem aprendemos a ser
Antes eu era meio Gabriela, da famosa modinha imortalizada pela voz de Gal Costa:
Eu nasci assim, eu cresci assim.
E sou mesmo assim, vou ser sempre assim.
Gabriela, sempre Gabriela!¹
Toda a vida me considerei uma pessoa extremamente tímida, vivia a maior parte do tempo no meu canto. Confesso que até gostava de companhia, mas era sozinha que preferia habitar o meu mundo. Na escola era difícil fazer novos amigos, especialmente na adolescência, porque eu era fechada demais. Não compartilhava nenhuma das minhas histórias com os colegas. Me lembro de um dia uma menina me dizer que não podia confiar em mim, porque ela não sabia nada a meu respeito. Apesar de sermos bem próximas, eu realmente não contava nada sobre mim para ela. E não era por mal, era só o meu “jeito” mesmo.
Com o tempo (vulgo terapia), fui aprendendo que são as nossas aberturas que permitem uma conexão mais profunda com os outros. Quando somos vulneráveis, somos reais, e é a partir dessa autenticidade que os laços se fortalecem. É o tal do “pessoas se conectam com pessoas”. Nossas histórias são elos que nos unem uns aos outros. Quando nos fechamos demais, acabamos afastando as pessoas.
Os outros precisam encontrar espaço em nós para se aproximarem e decidirem permanecer.
Além da dificuldade em me relacionar com as pessoas, eu também fugia de apresentações na escola e na faculdade, e cheguei a recusar boas propostas de trabalho, sempre me escondendo atrás do “sou tímida demais”. Meio Gabriela, eu dizia a mim mesma que não tinha jeito, que eu era assim e ponto.
Foi o autoconhecimento que me permitiu descobrir que, na verdade, eu nem sou tímida. Pelo contrário, amo me comunicar, conversar, me expressar. Meu problema estava nas questões internas que eu carregava e nem sabia. Elas me causavam um excesso de insegurança, como medo de criar conexões e acabar me machucando, medo de arriscar e não ser suficiente, medo de tentar e falhar. Numa tentativa [inconsciente] de me proteger, eu acabava me sabotando ao me fechar para as pessoas, para as oportunidades, para a vida. E só descobri isso quando me coloquei na posição de olhar para dentro e me conhecer.
“Sua visão se tornará clara somente quando você olhar para o seu próprio coração. Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta.”
— Carl G. Jung
Aos poucos fui aprendendo que muitos dos nossos comportamentos, pensamentos e reações não são absolutamente verdadeiros. São apenas reflexos de dores do passado, de feridas emocionais, e de crenças limitantes nas quais aprendemos a acreditar. E essa é a beleza do autoconhecimento, nos permitir olhar para a pessoa que aprendemos a ser e conseguir reconhecer o que é verdadeiramente nosso e o que foi construído ao longo do tempo como uma camada para nos proteger. Não é sobre mudar a nossa personalidade, mas sobre relembrar como ela verdadeiramente é. Afinal, há uma linha tênue entre quem realmente somos e quem aprendemos a ser.
Infelizmente, não posso dizer que o autoconhecimento me fez imediatamente deixar o modo timidez de lado para me tornar uma pessoa mais extrovertida. Não foi bem assim que aconteceu. Mas, identificar o “inimigo” nos possibilita usar as armas certas contra ele. Enquanto eu pensava que a timidez correspondia à minha personalidade, eu não tinha muito o que fazer a respeito. Era mais aceitar o meu “jeito” e aprender a lidar com ele. Mas, a partir do momento em que eu percebi que aquela timidez era mais uma camada de defesa do que uma característica minha, eu pude tomar para mim a responsabilidade da mudança.
O autoconhecimento nos aponta o caminho, mas precisamos dar os passos necessários para a transformação.
Confesso que ainda me saboto em algumas coisas, mas digamos que eu tenha melhorado uns 70% nisso. E, quando estou prestes a me sabotar, já não digo mais que é timidez; eu olho para dentro e tento encontrar a razão ali.
Trazer à superfície o que antes habitava os recônditos do ser, nos dá a chance de transformação. Afinal, só podemos enfrentar aquilo que é conhecido. Quando reconhecemos nossas questões internas e o impacto que elas causam em nosso comportamento podemos ressignificá-las.
“Quando um homem começa a conhecer-se, a descobrir as raízes de seu passado em si mesmo, é um novo modo de vida”.
— Carl G. Jung.
Resumindo:
Nem tudo é o que parece. Há sempre muito mais escondido debaixo do tapete das nossas vidas. Coisas que fomos jogando ali ao longo do tempo, muitas vezes, por não sabermos encarar. Mas chega uma hora em que elas precisam ser vistas antes que tomem uma proporção gigantesca e nos causem maiores danos.
Nem tudo é personalidade, às vezes é só fruto de questões internas que nem sabemos que existem. O que acontece é que os solavancos da vida vão nos impactando com o tempo e nos modificando. Nem sempre para melhor. A sorte é que podemos mudar isso, olhando para dentro e delimitando os espaços que são nossos daqueles que nos foram impostos pelas experiências vividas.
Depois de olhar para dentro e revirar os escombros deixados pelo vendaval do tempo, precisamos reerguer as estruturas que foram comprometidas. As estruturas da nossa essência. Precisamos cavar fundo para encontrá-la e deixar que ela se revele além das camadas que por tanto tempo tentaram encobri-la. O autoconhecimento é isso, o caminho que nos liberta de nós mesmos…
Até a próxima!
Andressa
¹Letra de Dorival Caymmi.